O trem primeiro sacudiu, depois um barulho não muito alto por baixo dos vagões fez com que todos percebecem que algo inesperado tinha acontecido. A certeza veio quando paramos no meio de uma floresta. Enquanto os funcionários andavam apressadamente pelo corredor, o maquinista comunicou o ocorrido através dos alto-falantes a todos que falam alemão. Eu boiei até que o passageiro do meu lado traduziu a notícia: vamos ficar parados aqui por uma hora. O trem atropelou uma mulher.
Ela só pode ter se matado. Encerrou sua história cercada por uma floresta tipicamente européia, com a temperatura ao redor de zero grau, no dia 23 de janeiro de 2008. Logo depois começou a nevar. Primeiro, pouco. Depois, com mais intensidade. O reforço do vento fez com que todos os flocos parecessem viajar horizontalmente, como fazia o meu trem que ia em direção a Berlim até poucos minutos antes.
Ficamos todos sentados vendo a neve cair. A maioria não prestava tanta atenção e, para estes, celulares, computadores e Ipods se tornaram a principal atração. Não para mim. Me coloquei ali perto da janela, de pé, vendo a floresta embranquescer enquanto bombeiros e policiais faziam seu trabalho. Depois que o trem partiu, passamos por algumas casinhas ao lado dos trilhos. As janelas pequenas, os telhados acumulando neve, ninguém na rua.
Pouquíssimos carros com faróis acessos iluminando a escuridão habitual do inverno. Tentei adivinhar em qual dessas casas a suicida morava, qual a sua idade, quem ficou para chorar sua partida.
Eu jamais me mataria aqui. Não com essa neve deixando a floresta tão branca, caíndo devagar, tortuosa, em movimentos imprevisíveis e quase coreografados. Fiquei longos minutos assistindo aquilo com a certeza de que ela, por sua vez, também não se mataria se estivesse em Ipanema, durante o verão de janeiro, com o calor do dia torrando a calçada de pedras portuguesas na frente daquele mar azul.
Talvez o segredo seja esse: viajar.
Um comentário:
Você reparou se havia um cinema nas redondezas? Mais especificamente um cinema mostrando "Marley & Ich"? De tão triste, eu saí com vontade de me jogar debaixo de um trem.
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